quarta-feira, 8 de junho de 2016

A delação premiada na legislação brasileira

José Alves


1 DEFINIÇÃO
Delação premiada, que é feita por um investigado, suspeito, indiciado ou réu, nada mais é do que a incriminação de um terceiro, sendo concedido benefícios ao delator como redução de pena, e até mesmo o perdão judicial.
Portanto, aquele que atribui a autoria do crime ao coautor ou partícipe, pode ser beneficiado pela delação premiada. E, não obstante, também pode ser beneficiado quando fornecer voluntariamente informações que permitam a localização da vítima ou recuperação do produto do crime.
O benefício do delator deve ser levado em conta se sua colaboração é maior ou menor. Então, se este colaborou de forma a identificar todos os outros autores de certo crime, ou o desmantelamento de toda uma associação criminosa, é justo que lhe seja concedido o melhor prêmio. Mas caso a colaboração não seja de muito valor, o prêmio deverá ficar restrito à redução mínima.
O intuito da delação premiada é premiar o delator que colabore, de alguma maneira, com autoridade judiciária ou policial, evidenciando fatos, de forma eficaz, que contribuam com o levantamento da materialidade do delito e sua autoria.
O delator deverá ser considerado como meio de prova, já que será imprescindível ao deslinde do caso. Da delação também pode não advir resultado processual, o que não descaracteriza a natureza da delação como meio de obtenção de prova.
2 PREVISÃO LEGAL DA DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Atualmente, é possível encontrar a figura da Delação Premiada em oito dispositivos distintos no nosso ordenamento, quais sejam: a) A Lei nº 8.072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos; b) Lei nº 11.343/2006 – Lei de Drogas; c) Lei nº 9.080/1995 – Acrescentou dispositivos às Leis nº 7.492/1986 – Lei dos Crimes contra o sistema financeiro nacional, mais conhecida como Lei do Colarinho Branco e Lei nº 8.137/1990 – Lei dos crimes contra a ordem tributária; d) Lei nº 9.269/1996 – Deu nova redação ao parágrafo quarto do artigo 159 do Código Penal Brasileiro; e) Lei nº 9.613/1998 – Lei de lavagem de dinheiro; f) Lei nº 9.807/1999 – Lei de Proteção a vítimas e testemunhas; g) Lei nº 10.149/2000 – Lei do Acordo de leniência; h) Lei nº 9.034/1995 – Lei do Crime Organizado, revogada pela Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013 que prevê minuciosamente a delação premiada, com requisitos, benefícios e direitos do colaborador.
Vejamos algumas dessas Leis detalhadamente.
2.1 Lei dos Crimes Hediondos
Foi promulgada a Lei nº 8.072/1990, que, primordialmente, introduziu no nosso ordenamento jurídico a delação premiada. Os requisitos para obtenção da benesse foram avastados pela Lei nº 9.269/1996, criada posteriormente, dando nova redação ao parágrafo 4º do artigo 159 do Código Penal Brasileiro, onde basta-se o mero concurso de pessoas, no caso em que o coautor ou partícipe denunciasse o fato típico, facilitando a libertação do sequestrado.
Assim como o artigo 7º da Lei nº 8.072/1990, o parágrafo único do artigo 8º da mesma lei também estabeleceu duas hipóteses de caracterização da delação premiada, ou seja, nos casos em que o fato não se encaixe na hipótese do parágrafo 4º do artigo 159 do Código
Penal Brasileiro, mas que exista denúncia que facilite o desfazimento da associação criminosa.
A problemática suscitada sobre a Lei nº 8.072/1990 era por conta de que não foi ofertada nenhuma proteção ao delator, que se via completamente nu diante de sua decisão de delatar ou não.
No Brasil, a norma da delação premiada é de direito material, tendo sido introduzida no próprio Código Penal, como causa de diminuição de pena, haja vista que inexiste preocupação quanto a formalidade da aplicação das benesses.
2.2 Lei de Drogas
O artigo 41 desta lei prevê a hipótese de concessão a delação premiada. Não obstante, a Lei de Drogas é mais pesada ao prever apenas a hipótese de redução de pena.
Concomitantemente, por ferir o artigo 5º, XL da Constituição da República, deve ser observado que, nas hipóteses em que o delator possa ser beneficiado pela delação premiada, o juiz não pode ignorar as benesses disciplinadas pela Lei de proteção a vítimas e testemunhas, em seus artigos 13 e 14 que são aplicadas não somente a esta lei, mas a qualquer outro dispositivo brasileiro.
2.3 Lei nº 9.080/1995
A Lei nº 9.080/1995 acrescentou dispositivos à Lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional e Lei dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, instituindo ou ampliando a delação premiada.
Agora, a delação premiada abrangeu não somente os crimes de associação criminosa, mas também as hipóteses de coautoria e participação. A concessão da benesse deixou de ser tão somente nos crimes de maior gravidade; a partir da efetividade da presente lei,
passava a ser concedida também nos crimes de menor potencial ofensivo.
Conforme denota-se, não há previsão de perdão judicial, há apenas a redução de pena que poderá variar de um a dois terços.
2.4 Lei da lavagem de dinheiro
Com o advento da Lei nº 9.613/1998, o magistrado pode não somente reduzir a pena de um a dois terços, como pode também permitir ao agente cumprir a pena inicialmente em regime aberto; substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e, até, a isentar a responsabilidade criminal.
Deve ser efetiva e não, propriamente, eficaz. Como já destacado pelo artigo 1º, §5º da Lei, podem ser três os benefícios para o delator. Se ele presta informações acerca de dois deles, sendo primário e com boa personalidade, o prêmio concedido poderá ser o perdão judicial. Se colabora com apenas um requisito, deve ter sua pena substituída de pena privativa de liberdade para uma restritiva de direitos.
2.5 Lei de proteção a vítimas e testemunhas
O legislador, ao preocupar-se com a efetividade das medidas do combate à criminalidade, promulgou a Lei nº 9.807/1999, instituindo o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, discorrendo também acerca da proteção dos acusados que tenham colaborado coma Justiça, por meio da delação premiada.
Nota-se aqui uma solução às críticas da sociedade quanto à impossibilidade da delação premiada sem que o delator tenha, em contrapartida, assegurada sua família ou ele próprio.
Esta lei oportunizou o alastramento das benesses a todo o direito pátrio, sendo cabível em qualquer crime.
2.6 Lei do Crime Organizado
A Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013 prevê detalhadamente a delação premiada que, até hoje, não o era, descreve requisitos, benefícios e direitos do colaborador, bem como todo o procedimento para que apresente resultado positivo.
O artigo 4º desta Lei exige alguns requisitos para que seja aplicado o prêmio, quais sejam: a) colaboração efetiva e voluntária com a investigação e com o processo criminal; b) personalidade do colaborador, natureza, circunstâncias, gravidade, repercussão do fato criminoso e eficácia da colaboração; c) identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; d) revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; e) prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; f) recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; g) localização eventual da vítima com sua integralidade física preservada.
Se houver delação premiada, o juiz tem algumas opções a depender do caso, por exemplo conceder o perdão judicial e, por consequência, julgar extinta a punibilidade, condenar o colaborador e reduzir a pena em até 2/3 (dois terços), ou até mesmo substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
2.6.1 Procedimento
O artigo 4º da Lei nº 12.850/2013 institui que o juiz concede os benefícios e a autoridade policial e o promotor são quem pode propor. O perdão não pode ser concedido de ofício pelo juiz.
Caso haja representação da autoridade policial, se o Ministério Público concordar ou não, o juiz pode conceder o perdão. Não havendo representação, cabe ao Ministério Público fazê-lo.
O requerimento do Ministério Público poderá ser a qualquer tempo (da investigação ao processo, até a sentença). Depois da sentença, a pena poderá ser reduzida apenas até a metade ou será admitida a progressão de regime, segundo o artigo 4º, §5º do mesmo códex.
Se as medidas de colaboração dependerem de mais dados, poderá o prazo para oferecimento da denúncia ou o processo ser suspenso por até seis meses, prorrogáveis por igual prazo e não correrá prazo prescricional.
As hipóteses em que o Ministério Público pode deixar de oferecer a denúncia ao colaborador estão no parágrafo 4º do artigo 4º.
A lei exclui das negociações o juiz, deixando-as a cargo do delegado de polícia, do investigado e do defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, entre Ministério Público e investigado/acusado e seu defensor, conforme artigo 4º, §6º da Lei. O juiz não participará para que, posteriormente, ele homologue o acordo avençado.
O artigo 6º prevê os casos em que o acordo é feito e o que deve conter no termo, já que este é de forma escrita e deixará de ser sigiloso quando for recebida a denúncia, respeitados os direitos do colaborador.
Se, ainda assim, restarem dúvidas quanto à liberdade do colaborador, o juiz poderá ouvi-lo de forma sigilosa, no entanto, na presença de seu defensor. O juiz possui dois caminhos, ou ele homologa o acordo para que surtam seus jurídicos e legais efeitos, ou indefere a homologação por não atender os requisitos legais ou adequá-la ao caso concreto.
Havendo a retratação, o que se obteve após a delação não valerá somente contra o delator, nada impedindo que seja usada no que tange outros corréus.
Terminada a instrução, o juiz sentenciará, apreciando a abrangência do que foi avençado na homologação da colaboração.
Inteligentemente, o legislador vinculou a delação a outras provas, pelo fato de poder existir entre o delator e os corréus interesses ilícitos, como mentiras ou vingança.
3 DIREITOS DO COLABORADOR
O legislador, ao definir organização criminosa, especificamente ao definir e pormenorizar a delação como meio de prova, preocupou-se também em garantir os direitos daquele que colabora com a justiça. Os direitos do colaborador estão elencados no artigo 5º da lei 12.850/2013.
4 CONTROVÉRSIAS ACERCA DA DELAÇÃO PREMIADA
Separadamente, é necessário distinguir os prós dos contras a respeito da Delação Premiada. Alguns pontos negativos da Delação Premiada:
a) A Lei nº 12.850/2013 oficializa a traição, medida antiética de comportamento na sociedade;
b) Pode desobedecer a proporcionalidade da aplicação da pena, uma vez que o delator, agindo tal qual ou pior que os demais corréus, terá sua pena reduzida;
c) Traição, em tese, deveria ser considerada agravante em um crime, sendo, portanto, inútil para abrandar a pena;
d) Utilizar a ideia de que os fins justificam os meios pode ser conduta imoral ou antiética;
e) A delação premiada até o presente momento não conseguiu desbancar a “lei do silêncio” que impera na criminalidade;
f) O Estado não pode consentir em permutar com a criminalidade;
g) Vingança pode ocasionar delações falsas;[1]
Por outro lado, há também os pontos positivos:
a) Não há que se falar em ética ou moral, já que os condutas praticadas pelos próprios colaboradores e corréus violam os bens jurídicos protegidos pelo Estado;
b) A proporcionalidade da pena deve se amparar na culpabilidade; logo, réus mais culpáveis receberão penas mais duras. O delator, ao colaborador com o Estado, atesta menor culpabilidade, devendo receber penas mais brandas.
c) A delação é uma espécie de “traição com boa finalidade”, agindo em desfavor do crime e favoravelmente ao Estado Democrático de Direito;
d) Os fins justificarão os meios quando estes forem legais;
e) A pouca eficiência da Delação Premiada se dá pelo elevado índice de impunidade, do mesmo modo que também é não é ágil o Estado no que diz respeito a proteção do delator;
f) A transação, prevista na Lei nº 9.099/1995 já é uma barganha entre Estado e autor do fato. A delação premiada é apenas outra modalidade desta permuta;
g) A benesse instituída por lei para aqueles que delatam os demais coautores ou partícipes pode incentivar o arrependimento destes, tendendo a regenerá-los. Regeneração é fundamento da aplicação da pena;
h) A falsa delação deverá ser punida de maneira severa;[2]
Mesmo com todos os pontos controvertidos, os prós e os contras e as controvérsias a delação premiada é um “mal necessário”. O crime organizado tem o condão e força suficiente para desestruturar uma democracia.
Em se tratando de pessoas consideradas boas, ou de bem, logicamente a traição é uma péssima escolha. No entanto, no que diz respeito ao âmbito do crime, totalmente sem regras, contrário à legalidade, regido por leis esdrúxulas e severas, longe dos valores dos direitos humanos, não se pode dizer o mesmo.
A não aceitação da delação premiada seria um “prêmio” ao crime organizado, desrespeitado bens jurídicos preciosíssimos. Se a “lei do silêncio” ainda é predominante no universo do crime, é porque o Estado não cumpriu com sua parte, que nada mais é que amenizar a impunidade, impedindo, ainda, que os delatores se percam nas garras dos delatados.
Notas
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. Comentários à Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. Revista dos Tribunais, p.48, ago./2013.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Organização Criminosa. Comentários à Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. Revista dos Tribunais, p.48-49, ago./2013.

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