sábado, 12 de março de 2016

SISTEMA TRIBUTÁRIO, UMA VISÃO MATERIALISTA-HISTÓRICA (Manifesto pelo Justo Sistema Tributário)

Carlos Eduardo

Em termos “Lockeanos”, o Estado surge quando o homem abdica de seu “estado de natureza”[1], em favor de uma estrutura que organize a vida em sociedade. Tal estrutura rege a sociedade por meio de normas positivadas e se mantem principalmente através da arrecadação de tributos dos seus jurisdicionados. A esse modelo estatal dá-se o nome de Estado Democrático de Direito, cuja logística só é possível graças as regras de conduta estabelecidas em Lei, que almejam a promoção da justiça, esta pautada em princípios como o da igualdade/isonomia, que permeia o Estado em todos seus aspectos inclusive na ceara tributária, tal como ocorre no Brasil ... será?

Como todo Estado Democrático de Direito, o Brasil também busca recursos para a manutenção da “máquina do Estado” nos tributos pagos por seus jurisdicionados. Contrapartida esta que pela própria finalidade do Estado, deveria ser cobrada em consonância ao princípio da isonomia, já que fundamental a promoção da justiça.

Todavia, uma breve análise do sistema tributário nacional nos revela inúmeros mecanismos que promovem a INJUSTIÇA, no sentido de que no Brasil, a maior carga tributária pesa proporcionalmente mais a quem tem menos e menos a quem tem mais.

 Tal como se observa na lógica do Imposto de Renda (IR), que apesar de notadamente caracterizado pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade (§ 2º, I, art. 153, CF), atenta contra o princípio da pessoalidade ao estabelecer que a alíquota máxima de 27,5% será cobrada de contribuintes com renda acima R$ 4.664,68 pois, entrelinhas, equipara-se, por exemplo, a capacidade contributiva de contribuintes com renda de R$ 5.000,00 à de contribuintes com renda de R$ 50.000,00, em uma clara mitigação do princípio da progressividade e da própria isonomia.

Outro exemplo notório deste movimento se perfaz na “IMPERTINENTE” inércia de nosso “Poder Legislativo” em NÃO instituir o Imposto sobre as Grandes Fortuna (IGF), previsto no art. 153, VII, da Constituição, cujo escopo seria a correção de uma lacuna de mercado, a saber, a tributação de fortunas consideradas extraordinárias. O IGF seria, em suma, uma excelente ferramenta para a diminuição da concentração de renda em nosso país, vez que alcançaria patrimônio acumulado ao longo do tempo, em períodos de frágil incidência tributária, inalcançável pela tributação progressiva da renda.

Em escala de tributação regional, temos como exemplo o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o qual não se aplica a aeronaves e embarcações, conforme decisão prolatada pelo STF ao prover o Recurso Extraordinário (RE) 379572, sustentada principalmente sobre o argumento de que o IPVA sucedeu a Taxa Rodoviária Única (TRU), que historicamente exclui embarcações e aeronaves ... nada mais óbvio, posto que a TRU tributava a utilização de rodovias. Diferentemente do IPVA, que tributa a propriedade de veículos automotores, cujo conceito engloba, por certo, embarcações e aeronaves. Mas sobre a questão, o STF primou, em outras palavra, por favorecer a concentração, à medida que isenta do IPVA proprietários de aeronaves e embarcações em detrimento a proprietários de carros populares por exemplo, sobre os quais pesam esse carga tributária.

Os exemplos são muitos e revelam mecanismos perniciosos de um Estado tendencioso e reprodutor de desigualdade, propenso a concentração de renda segundo a própria sistemática do modo de produção capitalista[2], cujas causas deste movimento não são objeto deste breve manifesto, assim como não o são a defesa de arcaicas ideologias socialistas, comunistas, anarquistas, entre outras ...

Por hora basta destacar que “a sociedade, o Estado e o Direito não surgem de decretos divinos, mas dependem da ação concreta dos homens na História”[3], em sendo assim, o homem deve lutar pelo justo caminhar da vida em sociedade, vez que, historicamente, abriu mão de seu individualismo em prol da coletividade.

Nessa ótica vem à baila a figura do operador do direito, agentes imprescindíveis a administração da justiça, tal como se deduz, por analogia, do art. 133 da Constituição, que dispõe que o advogado (um perfil de operador do direito) "é indispensável à administração da justiça ...”, indivíduo imbuído do dever de prestigiar a ordem jurídica, pelo que dele se exige o constante estado de alerta contra movimentos que ponham em risco as bases principiológicas eleitas em nossa constituição, tais como a igualdade.

E eis que se revela o escopo deste singelo artigo ... chamar a atenção dos operadores do direito para este movimento nefasto instaurado em nossa pátria, que se vale, entre outras, da estrutura tributária estatal para promover a acumulação e consequente desigualdade social, tal como demonstrado pelos exemplos alhures.

Desta feita, concluo estas parcas linhas solicitando aos seus leitores que combatam, na medida de suas possibilidades, movimentos como os acima expostos, lutando para que o direito seja o caminho da justiça, eis que dever de qualquer operador, tal como sugere o nome escolhido para a turma de 2011.2 da Faculdade de Direito do Recife, a saber: “O teu dever é lutar pelo Direito; mas se algum dia encontrares o Direito em oposição à Justiça, luta pela Justiça”. Portanto, em prol da luta por um sistema tributário mais justo e equânime conclamo ... operadores do direito de todo Brasil uni-vos.




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[1] LOCKE, John. Two Treatises of Government (Segundo tratado sobre o governo). Tradução: São Paulo, Martin Claret, 2004, p. 23 e ss.
[2] Em sua obra prima “O Capital”, Karl Marx faz uma análise materialista-hitórica-dialética do modo de produção capitalista, desvendando sua logística e implicações na sociedade. Em linhas gerais, podemos extrair como possível lição principal da obra que o capitalismo prima pela exploração do homem pelo homem com vistas no lucro, dado por meio da obtenção de mais-valia sobre o trabalho do proletariado em favor da burguesia, em uma evidente lógica de acumulação para poucos em detrimento de muitos.
[3] CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. 4ª impressão. São Paulo: Ática, 2001, p.409.

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